domingo, 23 de novembro de 2008

ROBERTA LIMA - Uma cantora cataguasense


Uma beleza o disco da cataguasense Roberta Lima! Roberta é de família de músicos e não dá uma nota fora: manda ver, canta muito, não destoa, tem suingue, voz nasalada na medida ideal e muito domínio da arte do pentagrama. É portadora da carteirinha de sócia efetiva do seleto clube da música juizforana. E passa a régua na conta, acompanhada pelo parceiro e companheiro Dudu Viana, o nosso maestro, filho do Edinho da Guitarra: aquele mesmo, o dono da boa música nas noites da nossa urbe.
Em harmonia com os arranjos de Dudu, Roberta dá o show do primeiro ao último acorde, do princípio ao fim do disco. Começa com Rapaz de bem, samba de Johnny Alf, de 1953, um dos precursores da Bossa Nova; segue cantando em dueto com o guitarrista e cantor Ricardo Dinis, na canção How Will I Know, do cego e visionário Steve Wonder. Dinis, com sua voz semelhante à do astro, destila, junto com o solo de sua guitarra, um solfejo só possível aos músicos de alto nível.
Em Estate(B. Martino e B. Brighetti), Roberta corre o risco de levar a nocaute os fracos diante do amor, os susceptíveis a um samba dolente. Então, que se preparem os espíritos distraídos, os perdidos, aqules que se encharcam de poesia e “se rasgam” nas noites vadias, os arrebatados! Aviso também que, nessa faixa, o piano de Duda transporta Roberta - que canta num sedutor italiano - a um doce intimismo que nos atinge cheio nas vísceras. O solitário solo de sax de Walmer Carvalho, no andar da melodia também é de cortar a alma! Arre!
O disco traz ainda canções históricas, como Upa Neguinho, de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri, Summertime, de Gershwin e The Way You look Tonight, de Jerome David Kern. As duas últimas, só para causar frisson nos que gostam do bom jazz; Djavan comparece com sua já conhecida Milagreiro; Aldir Blanc e Moacir Luz exportam música do Rio para Minas e levantam a bola para Roberta marcar de placa no samba Paris, de Santos Dumont aos travestis.
Abro o parágrafo para falar do encerramento do disco. Nesse momento, Roberta se supera na interpretação, junto com o instrumental solo, da canção Spain, de um dos maiores do jazz norte-americano: Chick Corea. Sobre a obra, quem me dá a referência é o pianista e amigo, Aloísio Condé: “Há vários intérpretes (solo) da música de Joaquim Rodrigo, que faz parte do Concierto para Aranjuez, que veio a dar origem à espetacular Spain, de Chick Corea. Sei que Joaquim Rodrigo era cego desde os cinco anos e o Concierto é um canto de amor.” Dados históricos à parte, é importante registrar também a performance perfeita da turma da cozinha nos improvisos.
E por falar em cozinha, vamos aos créditos:Bruno Repsold, no contrabaixo; Renato Endrigo, na bateria; Dudu Viana, no piano e na produção musical; Pedro Araújo, na guitarra e Walmer Carvalho, no sax. Galera da pesada! Luciano Tavares deu conta do recado na técnica do som; Marcus Vinícius, o Marquim Banzai, criou o visual da capa e Roberta aparece passando em frente a um portal, deixando escapar furtivamente as cores das formas de seu vestido; cores que se metamofoseiam em um arranjo de uma planta que lembra claves musicais. Na contracapa, a cantora caminha por uma rua deserta e deixa para trás o arranjo como registro e presente por sua passagem, qualquer coisa de criação, o trigo do pão que alimenta e mantém acesa a chama da vida. No caso, pão que é arte musical.
Roberta Lima é só talento e já pode ocupar um lugar na galeria dos bons intérpretes. Seu disco nada fica a dever aos melhores trabalhos nacionais e internacionais disponíveis no mercardo fonográfico. Junto a Dudu Viana, lega ao público uma obra definitiva, daquelas que servirão como referência a estudiosos e diletantes da música. Pena que o seu disco não revele canções inéditas, de autores inéditos. A moça, com a força de sua interpretação e a beleza de sua voz, pode contribuir com a sua parte, na luta para tirar o país do fosso cultural em que se encontra. Os bons compositores estão aí, aguardando a hora de ver seus trabalhos virem a lume, chegarem ao público. Elis Regina fez isso, completando sua trajetória de sucesso e consumando o seu nome como a grande estrela de nossa música. Foi a Pimentinha quem revelou corajosamente nomes definitivos de nossa MPB, como Belchior, João Bosco, Renato Teixeira, entre outros. Esse também é o papel do artista: romper com a mesmice, com a pasmaceira, com a mediocridade geral. Roberta Lima já deu o primeiro passo, gravando o que há de bom, mas já posto para cantar. Agora, está na hora do garimpo, de revirar a terra que é sempre generosa, fecunda e repleta de preciosidades. Vamos lá, Roberta?

(Transcrição (autorizada) da postagem de 13/11/08 do blog do PEQUENO:
http://pequenovanderlei.blogspot.com)

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